Com 14 anos, fui aprovado numa peneira para o time infanto-juvenil de futebol da Associação Garanhuense de Atletismo (AGA), onde, apesar do nome, apenas futebol era praticado. Comecei a treinar entusiasmado, mas logo percebi que seria muito difícil chegar à titularidade porque era notório que alguns dos colegas jogavam muito melhor do que eu. Aquela constatação, aliada à leitura de uma reportagem, na revista Esporte Ilustrado, a respeito dos 18 anos de Pelé, mudaram minha vida. Naquela idade, Pelé já era campeão do mundo e o melhor jogador do Brasil. E eu ainda batalhava pra ser titular do juvenil da AGA!!! Pensei muito e, mesmo sofrendo, tive a sabedoria de decidir privar o Brasil de mais um jogador medíocre. Dali em diante, com pouco entusiasmo e sem alternativas, abandonei o futebol e me dediquei aos estudos.
Ao abandonar a carreira futebolística, encontrei a literatura. A biblioteca do Sesc, em Garanhuns, era aberta ao público e comecei a frequentá-la. Tive a sorte da bibliotecária, Zuleide Almeida Valença, ter ido com a minha cara e começado a me orientar. Aos poucos, ela me fez evoluir por Mark Twain, depois todo Érico Veríssimo, e logo alguns contos de Machado. Com ela de férias, ei José Lins do Rego, Graciliano e Jorge Amado, que lia escondido, em casa porque eram classificados, por minha tia beatíssima, de imorais e comunistas. E eu nem sabia o que era comunismo! Ao voltar das férias, eis que dona Zuleide, olhando minha ficha, descobriu as leituras proibidas. Compreensiva, modificou os seus cuidados e me apresentou a Dostoievski, Vitor Hugo, Humberto de Campos, Stephan Zweig, Rachel de Queiroz e aos magníficos romances de Eça de Queiroz e Machado de Assis. No colégio, as notas começaram a cair e, lamentando bastante, fui obrigado a dar um tempo nas leituras.
Já no primeiro ano do Curso Científico, os estudos começaram a ser prazerosos. Havia uma cadeira de Língua Portuguesa e outra de Língua sa. Uma mesma pessoa era responsável pelas duas matérias, a professora Luzinette Laporte de Carvalho, escritora e apaixonada por literatura. Ela descrevia a atuação dos Andrade, Mário e Oswald, na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, com tanto entusiasmo que parecia ter estado presente ao evento. Poesias de Menotti Del Picchia eram recitadas na sala de aula, bem como textos ses de Racine e Molière, sem esquecer Guy de Mauant e os existencialistas Simone e Sartre. Estimulava debates sociológicos tendo como base Casa Grande e Senzala, do conterrâneo Gilberto Freyre.
Aquelas duas mulheres, Zuleide e Luzinette, nunca souberam da enorme influência que tiveram na minha formação literária, e na minha vida, e agora eu as reverencio e agradeço.
Certamente por causa das duas, ficou famosa, na Petrobras, a minha participação em um processo issional de engenheiros. Eram duas vagas e restaram três candidatos. Entrevista decisória e final. Fui encarregado de conduzi-la. Em menos de cinco minutos escolhi os dois que tinham, até ali, as piores notas na classificação. Quando os colegas perguntarem a razão da eliminação do candidato mais cotado, respondi que decidi no exato instante em que ele disse que nunca perdera seu tempo lendo uma poesia. Na minha opinião, quem nunca leu uma poesia não tem e nunca terá sensibilidade para tratar com seres humanos, sejam eles superiores, colegas ou subordinados. Encerrei o assunto, dizendo: — O prejudicado que culpe dona Zuleide e dona Luzinette. Os meus interlocutores até hoje estão com caras de bobos, sem nada entender.
Rio, 2025
Por: Alfeu Valença – Original do Portal Tempo Real